Pertencer Nunca Custou Tão Barato, ou Tão Caro
É fácil ter o produto. Difícil é pertencer ao enredo.
Você já se perguntou o que torna um objeto comum um símbolo de desejo?
Sigo obcecada por esse vídeo, onde uma multidão de adolescentes acampa por dois dias na frente de uma loja para garantir uma garrafa reutilizável, com bico novo.
“Não é sobre sede. É sobre pertencimento.”
O consumo mudou, de novo. Hoje, o que define desejo não é mais função, nem status financeiro - é código cultural. Produtos se tornaram símbolos. E o que está em jogo não é o que você tem, mas o que isso diz sobre quem você é.
O que queremos, como desejamos e por que compramos foi reconfigurado. E é sobre isso que vamos fofocar, agorinha.
Esse conteúdo vai ser dividido em 4 atos. Dois nessa news, dois na próxima. Por que eu achei legal dividir? Não, porque a plataforma não suporta o limite de caracteres. Beijos 💋
ATO 1: Mudanças no comportamento de consumo da sociedade
Ato 2: Novos perfis de consumidores que emergiram
Ato 3: Onde as marcas estão errando
Ato 4: O que as marcas podem fazer
O desejo não desapareceu. Ele só mudou de forma. Hoje, ele se organiza em outras lógicas simbólicas.
O valor de um produto não necessariamente está no quanto ele custa, mas no que ele diz. O consumidor quer comprar repertório.
Você pode ter a bolsa mais cara da Gucci, comprada no melhor Outlet de Miami. Mas, se ela não ativa nenhum código de grupo, ela não significa nada. Por outro lado, um chaveiro de Labubu de R$100 pode gerar mais reconhecimento simbólico se ele pertencer ao mesmo vocabulário estético de quem te segue, te observa, te interpreta.
Esses objetos funcionam como senhas visuais: permitem que você seja lido como parte de um contexto.
Bourdieu (1979) chamou isso de capital simbólico: o que distingue não é o objeto — é o que ele comunica para quem sabe ler.
Marcas que entendem isso param de pensar em diferencial funcional e começam a desenhar produtos como fragmentos de narrativa cultural.
A função continua sendo importante, claro, mas a forma como ela aparece importa cada vez mais.
Hoje, produtos precisam gerar imagem, gerar gesto, gerar conteúdo.
Um objeto vale menos pelo que faz — e mais por como ele aparece no ritual cotidiano. A garrafinha da Owala não viralizou porque hidrata — mas porque combina com o feed. Ela encaixa na lógica do “grwm”, do “5am club”, da rotina editada em câmera lenta com fundo instrumental.
Jean-Louis Dubois (1976) chamou isso de grau de luxuosidade: o que confere valor é a performance simbólica, não o material.
Marcas que acertam nesse contexto não vendem função — vendem enquadramento.
Elas desenham produtos pensando em onde e como eles serão vistos, não apenas usados.
O que determina o valor simbólico de um produto hoje ultrapassa função ou design isolado — mas o tipo de grupo ao qual ele dá acesso. O consumo virou uma forma de inscrição coletiva: um ingresso para rituais sociais, linguagens visuais e estilos de vida sincronizados.
A garrafinha com adesivo, o vídeo de rotina matinal, o skincare com seis passos e som ambiente: nada disso é sobre o objeto em si — é sobre ativar uma linguagem. O produto vira ponto de entrada. A marca vira plataforma simbólica.
Como descreveu Georg Simmel: o desejo se move da exclusão à inclusão, até exigir reconfiguração. Hoje, as marcas não criam valor quando convencem o consumidor a comprar — mas quando ele se reconhece naquela gramática e decide participar.
Georg Simmel (1904) descreveu esse fenômeno: o desejo se move da exclusão para a inclusão, e depois exige reconfiguração. Marcas que entendem isso não tentam empurrar funcionalidades, mas oferecem repertório simbólico. Elas são reconhecíveis porque já foram adotadas por alguém. E é essa adoção que determina seu valor.
Se você ainda vende produto como diferencial, talvez esteja numa lógica superada. Porque em 2025, o consumo é uma linguagem. E só será desejado quem souber ser lido.
Essa mudança de lógica abriu espaço para novos comportamentos — e novas identidades. E são esses perfis emergentes que revelam o que realmente move o desejo hoje. São mapas simbólicos de novas motivações de consumo. Entender esses códigos é o primeiro passo para qualquer marca que queira ser lida — e desejada — em 2025.
1. Código > Preço
“Quero que esse objeto diga algo sobre mim.”
→ O valor está no símbolo, não no cifrão. O que importa é se o objeto pode ser lido como parte de um repertório cultural.
👉 O que o consumidor quer: objetos que digam algo sobre ele, de forma sutil, culturalmente codificada.
👉 O que a marca precisa fazer: oferecer sinais decifráveis para quem pertence àquela comunidade.
2. Estética > Função
“Quero que esse objeto apareça bem no meu vídeo.”
→ O produto precisa performar bem visualmente. A estética é o que transforma o objeto em conteúdo.
👉 O que o consumidor quer: itens visualmente performáticos, que contam uma história no visual.
👉 O que a marca precisa fazer: pensar design como narrativa performática — não apenas como função.
3. Comunidade > Produto
“Quero que esse objeto me inscreva num grupo.”
→ O item se torna ingresso simbólico para uma estética coletiva: rotinas, hábitos, microculturas.
👉 O que o consumidor quer: se reconhecer (e ser reconhecido) como parte de um grupo.
👉 O que a marca precisa fazer: ser plataforma de linguagem coletiva, e não só criadora de produto.
Mudanças nas formas de consumo, nos trazem novos perfis de consumidores. Distantes da persona tradicional “mulher de 25 anos que mora em Pinheiros e usa vestido Osklen com sandália Linus”, esses perfis não são caricaturas. São mapas simbólicos de novas motivações de consumo. Entender esses códigos é o primeiro passo para qualquer marca que queira ser lida — e desejada — em 2025.
Espero que você não esteja lendo esse texto no mudo. Maaas, pra garantir: performático aqui tem relação com o que falamos lá no comecinho, em performar algo, parecer algo. É habitus de classe, não performance de palco.
Sabe o que falam sobre “criar comunidade” no marketing? É aqui que todo mundo erra. Ficam mirando em um grupo integrado, uma espécie de clube com trocas ricas. E não é dessa forma como as comunidades operam hoje.
Uma comunidade ATUAL, que opera no novo formato é o 5 am Club - todo mundo acorda 5am, lê Café com Deus Pai, toma mátcha, faz sua yoga/meditação caseira, vai pra Velocity, depois pra faculdade trabalho… rotinas orquestradas na mesma sequência, e com os mesmos elementos: a garrafa Pacco, o livro, o Super Coffe.
Mas, você pode olhar essa performance de comunidade no grupo de “booktokers”, que vão ler os mesmos livros, ter o mesmo caderno inteligente e o mesmo marcador da Stabilo. Ou no GRWM, faça marmita comigo, prepare o jumbo com as cunhadas e tantas outras…
De fora, dos milhões de vídeos, parecem uma unidade. Mas essa comunidade NUNCA CONVERSOU ENTRE SI. Eles performam a mesma realidade, mas mal trocam comentários uns com os outros. Eles se reconhecem por seus símbolos.
Marcas que acertam com esse público não entregam só produto: entregam continuidade estética, rotina replicável e objetos que se encaixam num enredo visual diário.
Ok, vamos admitir que estamos meio fracos de contra-cultura desde os anos 1980. Maaaaas, esse aqui seria o perfil anti-quiet luxury. Clean-girl-killer.
Troca silhueta limpa por excesso. Coleciona chaveiros, adesivos, crochês, embalagens. Mas nada ali é aleatório. Cada objeto carrega camada, história, piada interna ou estética de feed. Sua linguagem é o ruído simbólico: um copo com glitter + curativo decorado + sardinha de plástico pendurada no zíper da bolsa.
Se opõe à estética do “bom gosto universal”. É maximalista, acumuladora de sentido, remixadora de signos triviais. Como Bourdieu (1979) explica, distinção não é sobre refinamento — é sobre compartilhar códigos que parecem absurdos para quem está de fora.
E o que parece cacareco para alguns é capital simbólico para quem sabe ler.
Esse perfil de consumidor já é tão abrangente, que ele quebra em nichos: casas maximalistas, cacareco girls, colecionadoras de blind box, e um dos mais atuais, o Customizador de Sentido.
Esse perfil não busca o produto pronto. Ele busca o que pode transformar.
Esse perfil pode ser difícil para algumas marcas, pois exige um nível de desapego do produto final.
Ele não quer o item como foi pensado pela marca — quer como ele pode ser reescrito: adesivado, costurado, reeditado, empilhado, contradito.
Seja uma garrafinha de R$ 300 ou uma caixa de curativo, tudo pode virar signo.
O valor está na manipulação, não na exclusividade. Esse consumidor não quer originalidade de fábrica. Quer autoria visível.
Ele não ostenta. Ele edita.
E quanto mais o objeto permite reinterpretação — mais ele se torna desejável.
Seu feed não é uma vitrine, é uma colagem.
E o produto só entra se suportar camada, ruído e recontextualização simbólica.
⚠️ É super importante não associar esse perfil a um perfil artístico, ou DIY, por causa da customização. Se você quiser ver esse público operando hoje, procure pela Bolsa Aventure da MiuMiu no Tiktok. Você vai ver que ela é o objeto de edição “do momento” dentro desse perfil. A ideia não é criar algo “customize em casa”, é o oposto do que eles querem.
Esse é o único conceito que não foi criado aqui. O report 2025 da WGSN criou o público de “forever young adults”. Uma juventude global que está redefinindo a linha do tempo da vida. Ele dá nome para uma situação que as marcas já exploraram muito. Nós já sabemos que uma galera adiou a vida adulta.
Tem mais de 30, mas consome como quem ainda está no Tumblr. Compra boneca colecionável. Tem a camiseta da coleção do Friends da Riachuelo. Usa emoji como se fosse argumento.
Para ele, o tempo virou abrigo simbólico. A nostalgia é mais do que memória — é uma forma de organizar o presente com códigos que já entende. Não quer inovação: quer conforto visual, paleta emocional e objetos que já foram validados em outra era. Marcas que o ignoram perdem uma geração que consome não para performar futuro — mas para reencenar um passado onde ainda fazia sentido.
Além disso, tem um poder aquisitivo alto e quer performar juventude. Ele consome os camarotes de festa, as áreas vips de shows, os hotéis caros em viagens, as classes executivas nos vôos. Ele janta semanalmente em restaurantes de algum chefe descolado do Masterchef.
Eu adoro esse perfil, NOSSO FILHOTE DE GLOBALIZAÇÃO.
Esse perfil consome território — mas só o que cabe no carrossel. Nômade de tendência, mora na Espanha e é um sneakerhead que fica a madrugada esperando drop de uma marca estado-unidense. Mora em Copenhague e importa Havaians marrons, nasceu em Xique-Xique Bahia e está importando Labubus da Shopee pra pendurar na bolsa da faculdade.
Deseja a estética do lugar — desde que seja tratada como objeto de design.
Se você não sabe o que é um LABUBU, eu estou desde outubro do ano passado berrando que esse bichinho ia estourar.
O desejo é por territorialidade simbólica, o que importa não é o lugar real — é o lugar convertido em estética replicável.
E marcas que performam território sem sustância viram caricatura em três atos: filtro, comentário, exposed:
Samba & Sol: quem lucra com o Brazilwashing?
Uma das atividades preferidas das estrangeiras que visitam o Brasil é customizar Havaianas com PINS. Os vídeos de meninas até então desconhecidas, escolhendo a cor de suas “flip-flops” ultrapassam facilmente 500k visualizações.
✨ Obrigada por sobreviver até aqui!
Foram 3 mudanças de comportamento de consumo e 4 novos perfis para absorver. Na próxima news, vamos trabalhar:
Ato 3: Onde as marcas estão errando
Ato 4: O que as marcas podem fazer
Vou deixar um pequeno spoiler aqui. Um brinde & até a próxima!
I’m forever young adult só não sabia que tinha essa denominação. Tenho tido muito interesse em ler sobre como a nostalgia e o saudosismo tem virado produto… show de RBD, revival de várias bandas com turnês mundiais, bonequinhas que pra mim parecem as fofoletes, sabores da infância recriados… essa área vende e não é pouco. Os +30 cada vez mais querendo comprar experiências que não puderam ter na infância
Texto muito rico! Parabéns! Acho muito interessante entender o mecanismo e seu ponto sobre o funcionamento das comunidades atualmente foi certeiro.
O pertencimento vem sendo vendido embalado, plastificado e padrozinado.
Me questiono se essas comunidades são benéficas para os usuários ou somente para as empresas, que se aproveitam desse silêncio e falta de troca/interação entre eles pra venderem mais pertencimento e lucrarem com status.