Quando assisti esse vídeo, quase entrei embaixo da mesa. Parecia um daqueles sci-fis onde uma sociedade distópica completamente maluca cultua um ser aleatório:
O vídeo é da Owala, uma marca de garrafas de água, que reuniu uma fila de horas, no maior estilo early adopters do Iphone, para ver seu lançamento: uma nova garrafa de água, com um bico diferente.
Que sede é essa?
Em 2024 o relatório de tendências do Youtube mencionava o fenômeno “fandom culture”: fãs saindo do papel de consumidores para o papel de creators. Mas, ele não tinha um objeto tão “direto”. Eram fãs de bandas ou Youtubers, de alguma série ou de um nicho específico: beleza, moda, carros. O fandom garrafinha não estava no radar.
Por mais incrível que possa parecer “água ter status” não é necessariamente uma novidade nas redes sociais. Quem viveu a era Tumblr, vai lembrar das fotos conceituais com garrafas FIJI, Perrier ou Evyan nas páginas de todas as it-girls.
O que mais chama atenção aqui é o ciclo de vida do produto. Em 2019 a Vogue já mencionava a garrafa como “o acessório fashion” da temporada, o vídeo acima é de 2025.
Em uma era onde uma bolsinha Le Pliage da Longchamp vai de must have para “coisa-de-branca-básica-sem-personalidade” em menos de um semestre no Tiktok, e os estilos são ultrapassados num piscar de olhos - #ripcleangirl oi #cacarecogirl - o que é que essa garrafa fez? Vamos discutir isso. Mas, primeiro, deixa eu compartilhar mais itens do universo garrafistico.
Na primeira imagem, essa moça chamada Chelsea fez uma parede para suas garrafas reutilizáveis. O que é um tanto confuso, porque se são reutilizáveis, em teoria não precisava de mais de uma. No segundo vídeo, um chaveiro da Hermès é adicionado como acessório (ele custa $4,000.00 - não fiz um jornalismo investigativo pra ver se esse é original ou não) e por último, uma cena puro suco da BlackFriday, só que em um dia normal, apenas com uma cor nova de garrafa chegando no mercado.
Aliás, esse segundo vídeo é bem relevante nessa conversa, porque o universo de marca das garrafas expandiu: elas tem case, charms, tampinha de canudo e bolsinhas específicas.
⚠⚠️⚠️ ALERTA DE CRISE ESTÉTICA ⚠️⚠️⚠️
Temos três marcas nas TOP BRANDS GARRAFITAS: Stanley, que já é popular aqui no Brasil, Owala (do vídeo do começo dessa news) e Hydro Flask - inclusive, as duas últimas ganharam mais força nos EUA após o escandalo sobre o chumbo na composição da Stanley. Em 2022, os americanos gastaram mais de US$ 2 bilhões em garrafas de água reutilizáveis. Aqui no Brasil, também vale a pena mencionar a Pacco, que faz uma linha mais “quiet luxury” que a Stanley.
(chorando pois usei o termo quiet luxury pra falar de garrafa)
E olha que maluco. Quando eu voltei da Coréia do Sul, fiz um post falando da febre dos Labubus.
Pois bem, os fãs do monstrinho CRIARAM UMA GARRAFA STANLEY. Ela está viralizada no Tiktok e tem gente morrendo pra encontrar - mas não é oficial! Eles fizeram questão de juntar as duas marcas.
Vou juntar algumas teorias aqui pra tentar entender o que fez desse fenômeno um fenômeno. E porque ele está durando tanto tempo.
Se você chegou até aqui, dificilmente acha que esse assunto não é ao menos interessantinho. Mas, queria adicionar um viés de confirmação, mostrando que esse foi o tema de artigos científicos, a1, a2. E essa matéria da TIME.
1. Obsessão wellness
Em 2018, o mercado global de wellness foi estimado em US$ 4,5 trilhões, fazendo da economia do bem-estar mais da metade do tamanho total da economia global da saúde, estimada em US $ 7,3 trilhões, segundo a OMS.
A hiper-produtividade, o 5am Club, os conjuntos de ginástica em tons pastel e o perfil da Manu City são alguns dos milhares de exemplos dessa onda que cresce exponencialmente desde a pandemia. Também da pra mencionar a moda da corrida, o beach tennis (não renovado para a temporada 2025) e uma onda de extrema magreza e orterexia ganhando espaço como se estívessemos em 1990!
Uma garrafa de água, faz com que você não só seja wellness, mas PAREÇA WELLNESS. Como protagonista de sua própria história, é possível te visualizar andando pelas ruas, carregando seu pequeno galão, enquanto todos comentam “nossa, como ela é hidratada! Certamente toma 2L de água por dia!”.
2. Luxo acessível
Quando comprei meu primeiro Iphone do “ano” (ora ora, quem era a tonta early adopter de Iphone citada no começo desse texto) pensei: UAU, a Anna Wintour também tem esse celular. E a princesa Kate. E a Beyonce deve ter também. Pessoas razoáveis, que tinham um gosto parecido com o meu.
É um sentimento tipo esse (cafonérrimo, I know), mas com algo infinitamente mais acessível. Você usa a mesma garrafinha da Hailey Bieber, ou da Olivia Rodrigo. Da Gisele ou de alguém do BlackPink.
R$300 em uma garrafa de água é caro. Mas, você usar grandes argumentos irrefutáveis para transformar essa compra de “emocional” para “racional”.
Eu preciso mesmo beber mais água (apelo saúde);
É caro, mas, economizo levando a minha água para os lugares (apelo financeiro);
É reutilizável, muito melhor que usar copinhos (apelo sustentável).
3. Não Cheugy
Não perco a chance de evocar o conceito #cheugybrand aqui, mas, para esse produto em específico - como para tantos outros tentando se manter - talvez esse seja o pulo do gato.
Não houve uma barreira de idade para o produto. As mais jovens usam por causa da Hailey e do BlackPink. As mais adultas, por causa da Giselle e das trends de welness. Você pode comprar online ou no Walmart. A falsificada é igualzinha a original.
Algo aleatório virou um item “essencial”. Uma vez que ele é “essencial” você não discute o produto em si, apenas a escolha dele.
É como nos vídeos de “meu material escolar”, “minha bolsa do trabalho”, “minha mala de viagem”, “meus itens de necessáire”. Você pode discutir a qualidade ou estética dos itens, mas não discute “você não precisa ter uma bolsa” ou “não precisa ter uma necessáire”.
Isso dá o universo PERFEITO para as marcas: elas juntam o poder de influência e disseminação massiva dos adolescentes nas redes sociais, com o poder aquisitivo dos millenials.
Eu? Eu prefiro uma tacinha de Spritz.
Que texto incrível. Lendo com minha garrafinha com corda instagramável ao lado
Mds que análise incrível!